domingo, 11 de outubro de 2009

Para que ninguém a quisesse - Marina Colasanti

Para que ninguém a quisesse

Porque os homens olhavam demais para a sua mulher, mandou que descesse a bainha dos vestidos e parasse de se pintar. Apesar disso, sua beleza chamava a atenção, e ele foi obrigado a exigir que eliminasse os decotes, jogasse fora os sapatos de saltos altos. Dos armários tirou as roupas de seda, da gaveta tirou todas as jóias. E vendo que, ainda assim, um ou outro olhar viril se acendia à passagem dela, pegou a tesoura e tosquiou-lhe os longos cabelos. Agora podia viver descansado. Ninguém a olhava duas vezes, homem nenhum se interessava por ela. Esquiva como um gato, não mais atravessava praças. E evitava sair.
Tão esquiva se fez, que ele foi deixando de ocupar-se dela, permitindo que fluísse em silêncio pelos cômodos, mimetizada com os móveis e as sombras. Uma fina saudade, porém, começou a alinhavar-se em seus dias. Não saudade da mulher. Mas do desejo inflamado que tivera por ela. Então lhe trouxe um batom. No outro dia um corte de seda. À noite tirou do bolso uma rosa de cetim para enfeitar-lhe o que restava dos cabelos. Mas ela tinha desaprendido a gostar dessas coisas, nem pensava mais em lhe agradar. Largou o tecido em uma gaveta, esqueceu o batom. E continuou andando pela casa de vestido de chita, enquanto a rosa desbotava sobre a cômoda.
In: Conto de amor rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. P. 111-2.

domingo, 10 de maio de 2009

Conto de uma tarde ociosa

Conto de uma tarde ociosa


Há dias fui ao Neuróticos Anônimos.

- oi , meu nome é.
- oi (em coro)
- Bom, hoje alcancei uma vitória.
Aplausos

- Pela manhã, não enlouqueci quando pedi gentilmente a atendente da padaria pãezinhos morenos e ela me veio com alemães, ou seriam holandeses? Reclamei sarcasticamente e ela, claro, se defendeu:
- mas senhora (senhorita), não se trata nem de um nem de outro, o pão é francês.

Tudo bem, perdoada.
Voltei pra casa faminta e louca para comer a França. Recebi um telefonema. Cobrança.
...
- Eu aqui desesperada, mas tenho quase tudo que eu quero e você ai, que nem se move. Nunca tem nada e pelo que se vê...blá blé bli blo blues.

Desliguei o telefone. Voltei à mesa. Não comi o branquelo, nem bebi o africano. Joguei os pães de queijo na mesa, fiz bolas com o saco plástico. Estorei. Rasguei-o em minúsculos pedaços. Para ficar mais divertido, catei a tesoura e fiz arte plástica. O que estragou foi o sangue. Marquei para segunda a consulta com o gineco. A dor na virilha sempre me incomodou. Contei pra ele o ocorrido.

- Mas meu bem, você tem TPM, não neurose.

Pensei:
- Era o que faltava, Tesão Pré – Maturidade.
- Mas eu não sou muito nova pra isso?
- É na juventude que ela se manifesta.

Mania de achar que todo médico é solucionador de todos os problemas.

- Sabe Doutor... tenho uma amiga que fala sozinha, conversa, ri e chora com os objetos. Pensamos que talvez ...’crazy’, é normal?
Me olhou nos olhos:

- Não, claro que não. É distúrbio. Tem que ser tratada, e de preferência com um psiquiatra.

Isso é furo! É quando jogam lama na roupa branca em dias de chuva (?)
Com essa coisa de Tesão Pré – alguma coisa e pior, ter uma doença que deve ser tratada com médico doido, ou melhor, de louco varrido. Varrido para o manicômio.
Ainda bem que para tudo na vida tem seu lado positivo. Como o doutor mesmo disse, ao menos não tenho a coisa da NEUROSE.
Ninguém aplaudiu.
Nunca mais voltei.

Luti Cândia
17/05/2005

TROMPAS

TROMPAS

Se tua língua
linda de longa
lábia se aninha
em cada lábio
lábil da minha
trompa de Eustáquio
e langue – lenga,

e minha língua
logo se vinga,
lambe o batom
sabor de ópio
das tuas trompas
de Falópio
e nelas míngua


Nelson Ascher